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Oslo 2011 e o terror europeu

In O mundo nos mostra on julho 23, 2011 at 3:55 pm

A Noruega protagonizou nesse sábado o mais recente caso de terrorismo no Velho Continente. Oslo 2011 ultrapassou em mortos e feridos último grande ataque, Londres 2005, embora não tenha alcançado ainda a tragédia de Madri 2004, nem chegado perto dos mortos de Lockerbie 1988.

Mas Oslo foi, em dois sentidos, o pior ataque terrorista sofrido pela Europa.

Em primeiro lugar, trata-se, ao que tudo indicam os fatos até agora, de um ato de terror gerido, pensado e realizado somente com elementos europeus. Diferentemente dos três casos citados acima, o componente islâmico se mostra ausente, seja vindo de fora ou cultivado em casa, como foi o caso dos britânicos muçulmanos que explodiram as bombas em 2005 na capital do Reino Unido.

Em segundo lugar, trata-se de um terror que, ao que tudo indica, é resultado direto da tendência política vivida nas últimas décadas pela Europa. A ascensão da batizada “extrema direita europeia” é um fenômeno presente em grande parte da União Europeia, acompanhada de partidos de centro-direita nos seus principais países (UK, França e Alemanha).

A Noruega, não por coincidência, não é um desses casos. Os ataques a bomba e tiros de Oslo tiveram como principal alvo os Trabalhistas, que governam o país, e como perpetradores prováveis os insatisfeitos da extrema-direita.

Menos de um ano depois da explosão de Estocolmo 2010, o desenvolvidíssmo triunvirato social-democrata do Norte da Europa volta a ser palco do “terror”, aquele evento sempre tão creditado aos islâmicos, mas que agora crava mais fundo na alma europeia por mãos, sangue e motivação igualmente europeus.

Antonioni e o homem multidimensional

In It's the arts! on fevereiro 12, 2011 at 1:32 pm

Eu penso em um egípcio participando dos protestos da Praça Tahrir, no centro do Cairo, atirando pedras contra algum alvo que simbolize Mubarak. E quando ele desce ao chão para catar mais munição, de repente, talvez já com algum tijolo na mão, ele larga tudo – objeto, multidão, raiva -, e sai correndo em direção às pirâmides e acaba se perdendo no deserto. Ele troca o furor da multidão e da história pelo recolhimento e pela solidão.

Quando transformarem a Praça Tahrir num filme, é provável que essa cena não aconteça. Mas é ela que me vem à mente se o diretor escolhido para a empreitada fosse Michelangelo Antonioni. Um artista que eu nunca compreendi. Até que, nas minhas últimas férias, alheio a tudo o que acontecia no mundo, assisti a Zabriskie Point e tive um relance para começar a entender as reviravoltas que o italiano promove nos seus filmes.

Em Zabriskie Point, Antonioni começa retratando um jovem engajado nas revoltas estudantis americanas de 1960, 70. Mas, em meio ao furor da revolta impulsionada pelo instinto coletivo, o personagem foge. A segunda metade do filme se transforma em jornada pessoal do protagonista pelo deserto, longe da política e perto da sedução quase primitiva de uma desconhecida.

O mesmo acontece em The Passanger. Nele, o protagonista é um bem-sucedido jornalista, engajado na sociedade através da sua atividade profissional. Mas, tal como em Zabriskie Point, ele decide abandonar tudo. Roubando a identidade de um homem recém falecido, situação fortuita, ele embarca numa jornada para fugir de tudo que representava, até então, sua existência.

A proposta de Antonioni é dialética. Marxista, ele insere seus protagonistas naquilo que lhe é mais caro: a coletividade, a sociedade, as massas conscientes do curso da história. Mas ele igualmente sugere que não apenas disto vivemos: que, antes das massas, há o indivíduo, e, com ele, uma carga existencial pesada que nem sempre encontra eco nas massas.

Um alemão sugeriu no século passado que uma das marcas da decadência da nossa sociedade é a emergência do homem unidimensional: aquele que pertence a uma sociedade em que não há mais alternativas, em que a história encontrou um caminho definitivo e sem volta – o do capitalismo industrial.

Pode-se interpretar Zabriskie Point e The Passenger como obras nessa perspectiva: que o homem não sabe mais ser um ser coletivo e se perde na tristeza do isolamento em si. Mas pode-se também observar que, com eles, Antonioni sugere que há outros níveis da individualidade – que, por vezes, precisam ser visitados para rever os caminhos da coletividade.

O homem, em Antonioni, é multidimensional. Mas ele não tem final feliz.